A BELEZA E A JUSTIÇA NOS 12 PASSOS

A BELEZA E A JUSTIÇA NOS 12 PASSOS

Vivemos numa cultura em que a realidade do mundo é vista literalmente, isto é,  como se fosse um amontoado de coisas ou objetos. Esta forma de perceber a realidade, aliada ao uso de uma moral que reduz tudo a “certo” ou “errado”, além de ser altamente limitada constitui-se em uma máquina de gerar, incessantemente sentimento de culpa.

É preciso quebrar este ciclo vicioso. Para isso precisamos aprender a olhar a realidade de outro ponto de vista, outra perspectiva.

Daqui por diante, o desafio é tomarmos os 12 PASSOS  como nossa matéria prima, com o objetivo de imprimir-lhes uma visão poética da realidade a ser feita com o auxilio do uso das lentes da beleza e da justiça.

 

   Linguagem Literal:

Quando falamos em literal, estamos nos referindo a coisas mensuráveis e concretas, ao significado usual de uma palavra, ao seu sentido próprio. O sentido literal tende a ser analítico, está sempre se decompondo para facilitar a identificação das partes, com o fim de responder às perguntas “Por quê?” ou “Como?”.

O sentido literal se expressa por substantivos, não sendo usualmente a linguagem do emocional.

Obviamente precisamos usar a linguagem literal no dia a dia para contar nosso dinheiro, pegar o ônibus certo, consertar coisas, cozinhar, trabalhar. Porém, estas atividades literais também podem ser vistas pela perspectiva poética.

Se ficarmos somente no sentido literal, a vida não terá graça. Ou pior ainda, começaremos a descrever conceitos extremamente abstratos como se eles fossem coisas. É o caso, por exemplo, dos conceitos de alma, subconsciência, céu, inferno ou Deus, em que eles são tratados como se fossem “coisas concretas”, passíveis de serem localizadas num lugar específico.

 

   Linguagem Poética:

Quando falamos de linguagem poética, não estamos nos referindo ao significado usual de uma palavra, mas sim àquele decorrente de associações realizadas pelo uso de outros significados.

A linguagem poética utiliza mais adjetivos, é inexata e indireta. Por exemplo, a poesia, a música, a dança, a arte ou um sonho, despertam em nós percepções mais profundas do que despertariam as palavras. Pelo uso do sentido poético, ouvimos mais com a imaginação do que com o intelecto. Nesse sentido, a linguagem poética é mais sintética, mais aglutinadora de significados.

A linguagem da poesia usa exemplos metafóricos e adjetivos, abrindo perspectivas ou significados diferentes para cada palavra utilizada, garantindo sua universalidade, ou seja, sua compreensão por todos. Ela responde a pergunta: “O que está acontecendo?”. E a resposta é dada por meio de perspectiva mutante, porque é apoiada em contextos específicos que exigem aprofundamento constante. É a linguagem das emoções e da beleza, colocando em funcionamento mais a percepção do que a compreensão racional.

Quando falamos de uma visão poética não estamos falando de poesia, poetas ou poemas, mas de uma VISÃO, de uma PERSPECTIVA, ou de uma MENTALIDADE POÉTICA, conforme as características relacionadas a seguir:

– Uma visão poética é caracterizada pela dúvida. Tudo é sempre provisório, nada é fixo. Tudo pode ser mudado.

– Uma visão poética reconhece a “inconsciência como uma presença” e não como um lugar onde reside o desconhecido que poderá apresentar uma ou outra opção a qualquer momento.

– Uma visão poética vive confortavelmente com o paradoxo, com a ambivalência e com a contradição.

– Uma visão poética questiona se a religião baseada em revelação é paranóia ou não.

– Uma visão poética é característica de uma mente aberta, mistério, imaginação, magia, criatividade e muita energia.

– Uma visão poética incorpora a ironia, o humor, a compaixão ou gargalhadas.

Quando usamos a linguagem poética, utilizamos mais do que palavras que rimam, usufruímos muito mais do que sensações ou sonoridades agradáveis.

A linguagem poética, como aqui tratada, supera e transcende o senso comum e utilitário. Ela é vista como um conceito, uma perspectiva, uma filosofia baseada em beleza, em justiça. Enfim, estamos falando da poesia como expressão da beleza e da justiça.

Vamos então examinar a beleza como um atributo filosófico.

São Tomás de Aquino definiu a beleza como tudo aquilo que apresenta integridade, proporção e clareza. Incluem-se nessa definição, por exemplo, a proporção matemática, a harmonia das partes ou a luminosidade da deusa Afrodite.

É difícil definir beleza ou algo que apresente beleza, pois esse conceito está sempre se aprofundando, aparecendo em aspectos diferentes e inesperados, evoluindo, mudando.

A beleza está sempre em movimento, comunicando, criando comunidade. Nossa tendência perante qualquer coisa, lugar ou momento que transpire beleza, é de compartilhar: (“veja só isso…”).

A beleza também não é a manifestação do transcendental, do sublime, do êxtase ou da satisfação intelectual. Ela pode aparecer na arte, na música, nos museus ou manifestar-se como prazer sexual, mas não se limita, restringe-se ou define-se apenas nessas atividades. No entanto, essas atividades podem levar a uma perspectiva ou a uma visão da beleza.

A beleza é mais do que o bonito bacana ou legal. A música, por exemplo, demonstra beleza quando não é ouvida de modo simplesmente passivo, como se fosse um calmante, estimulante ou uma distração. A música constitui uma manifestação de beleza quando é incorporada por uma pessoa ou um grupo, quando é reconhecida como “música dentro de sí mesmo”, isto é, quando ela adquire nova e diferente dimensão para aquele que sai de um ambiente compartilhado com  outros ou consigo mesmo.

Como a característica principal da beleza é o movimento, sempre queremos voltar, absorver ou tomar posse de pessoas, paisagens, flores, quadros, fatos ou situações. Se não tivermos limites, acabaremos por destruir a beleza. Esses limites são dados pela justiça.

 

  A Justiça:

A justiça mal compreendida ou mal utilizada acaba gerando medidas punitivas, dogmas ditadores de julgamentos como “certo” ou “errado”, aspectos que podem levar o homem a assumir uma visão literal e farisaica a respeito de ações, pensamentos, palavras ou atitudes de outro.

A justiça mal compreendida é capaz de destruir a beleza ao invés de  facilitar seu desenvolvimento.

Justiça em seu sentido mais amplo, é tudo aquilo que garante equidade, equilíbrio, simetria, proporção, ritmo. Ela estabelece os parâmetros para que, mesmo em constante movimento, a beleza se mantenha. Estabelece os pontos de referência e os faróis a serem utilizados para promover a navegação pelas águas da beleza.

A justiça é a moldura da beleza. John Raws define o “justo” como “uma simetria de relacionamentos entre pessoas”.

O estabelecimento de anarquia, seja entre pessoas, lugares ou coisas, exclui a beleza.

Talvez seja mais fácil definir e tornar mais compreensível os conceitos de beleza e justiça se conseguirmos caracteriza-los por aquilo que não são.

 

  O Feio e o Mal:

A beleza é simples, de uma profundidade infinita, enquanto o feio é superficialmente complexo, incoerente e limitado.

Os escritores William Styron, George Orwell  e a filósofa social Hannah Arendt, escrevendo sobre o “mal totalitário” e sobre os sistemáticos homicídios nazistas, chegaram à conclusão de que o mal não é o que esperamos: crueldade, perversão moral, abuso de poder ou terror. Esses são instrumentos ou resultados. O mal mais profundo, num sistema totalitário, é exatamente aquilo que o faz funcionar: sua eficiência programada, monótona, burocrática, uniforme, rotineira, tediosa. Aquilo que não leva a pensar e a responder. Forma sem alma torna-se formalismo, conformismo, fórmula, formulários d’um escritório, formulários sem brilho, sem corpo, cartas sem palavras, corpos corporativos, sem nomes.

Ao contrário disso, a beleza é sequestrada em suas manifestações bonitas, belas: museus, casas de cultura, reformatórios d e música clássica – Afrodite encarnada.

A análise deste trecho nos permite concluir que a busca exagerada pela justiça gera casuísmo. A lei escrita, transformada em dogma, exclui a beleza. O sequestro da beleza exclui a justiça. Nessa situação, tudo perde a simetria, o equilíbrio, o senso de comunidade. Feio e Mal.

 

 A Beleza e a Justiça na Morte:

A beleza e a justiça está em tudo, até na morte. A morte é um dos fenômenos mais belos que conhecemos. Pela nossa morte oferecemos um lugar para outras vidas, compartilhando o mundo com elas, enriquecendo este mundo pelo inter-relacionamento com nossos predecessores e herdeiros. Qualquer organismo preserva sua riqueza e beleza através da morte de suas partes, de suas células (célula imortal é câncer).

Sim a morte é horrível, mas o olho do amor  percebe beleza até nisso. Corbin descreve beleza como um “fenômeno sagrado que inspira medo e angústia, levando um movimento para algo que existiu antes e depois daquilo que percebemos”. A beleza sempre nos leva a lembrar algo ou outra perspectiva.

Sem beleza a alma murcha. Mas não podemos separar totalmente a beleza da dor.

Misteriosamente, a terra fértil  da dor faz as flores da beleza resplandecerem com cores mais brilhantes.

Não há beleza sem a Besta! Não podemos escapar para um palácio aconchegante, onde lá dentro não haja nada de escuridão ou nada de mal aconteça e onde a morte e a doença sejam eternamente banidas. Onde nossos anfitriões, proponentes de uma cirurgia plástica apenas superficial ou das drogas milagrosas, tentem nos convencer do contrário.

Viktor Frankl, a partir de sua experiência nos campos de concentração durante a II Guerra Mundial, notou que “à medida que a vida interior do prisioneiro ficava mais intensa, ele também sentia, como nunca antes, a beleza da arte da  natureza. Sente também que a morte não é apenas inevitável, mas necessária e justa no grande esquema das coisas do universo”.

 

  Beleza e Psicologia:

De todos os pecados da psicologia, o mais mortal é seu descaso pela beleza. Afinal de contas, uma vida tem algo de muito belo.

Porém quem lê os livros de psicologia  não fica com essa impressão. Mais uma vez, a psicologia trai seu próprio objeto de estudo. Nem a psicologia social, nem a experimental, nem a terapêutica, dão espaço para a apreciação estética da história de uma vida.

– Por “pecado mortal”  da psicologia, considero o pecado do amortecimento, a sensação monótona originária da leitura de textos de psicologia e de escuta de sua linguagem: a voz que ela fala, a pretensão com que ela anuncia suas “novas” descobertas –  que dificilmente poderiam ser mais banais. – seus paliativos tranquilizadores para autoajuda, seu cenário, sua moda, suas reuniões de departamento e seus consultórios tranquilizadores – águas estagnadas, que a alma procura para se restaurar, último refúgio da cultura tradicional, qual pão amanhecido, sem casca, mas sempre esponjoso e provido de uma esperança replicada”.

PSICOLOGIA: profusão de manais monótonos, burocráticos, uniformes, rotineiros, tediosos, de normas prescritas e estreitas. É Justiça sem alma, que exclui a Beleza!

 

   Beleza e Drogas:

Por que  as pessoas estão utilizando drogas? Para se livrarem do estrangulamento de um meio ambiente programado por empresas que determinam nossa “educação”, trabalho e entretecimento”, para procurarem uma experiência não material: LSD para encontrar uma visão, Heroína e Maconha para buscar a energia esvaziada pelo meio ambiente.

Ernest Becker refere-se à fala de Kierkegaard, que disse: “- Eles se tranquilizam com o trivial”.

Rafael López Pedroza, grande mitólogo e filósofo, ressaltou que o uso compulsivo de drogas não se relaciona ao arquétipo (referência à deusa do Olimpo, não se encaixando ou aderindo a qualquer mito) e sim ao titânico (de titãs, divindades primitivas anteriores ao estabelecimento dos deuses da mitologia) referentes a um período “sem lei,  sem ordem, sem limites”.

Tempo de ausência de beleza e, consequentemente, de justiça, porque faltam perspectivas, referências e até  limites.

 

(Temáticas da C.T. Fazenda Renascer)

 

 

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